01/11/2009
Existe uma difusa mas perturbante religiosidade nestas esculturas em madeira.
Curiosamente, a razão dessa sensação encontra-se não no tema mas nas formas e matéria – a madeira – das peças.
Aquilo que à primeira vista me parecia ser uma antiga sabedoria pagã e animista aparece-me agora sobretudo como a manifestação de um profundo amor. O olhar que perscruta e descobre é um olhar emocionado, que faz aparecer, é visionário. Creio que é a própria vida que é aqui amada.
O próprio escultor é arrastado por este fluxo. A sua obra não o espanta mais que a Obra de que ele é apenas uma parte - uma espécie de vertigem que por vezes se assemelha ao pudor.
Se esculpir é quase sempre desvendar, é por querer desvendar mais ainda que o escultor confia mais no seu olhar que nas próprias mãos. As mãos encontram-se no prolongamento dos braços que se articulam com uns ombros. O olhar, pelo contrário, vem directamente de dentro. Não necessita de mais instrumentos que perturbem esse primeiro silêncio.
O acto de esculpir nasce aqui de uma contemplação. Desse deslumbramento interior provocado por um olhar, surge como que uma dúvida do escultor para com as próprias mãos. Ele toca o menos possível e apenas o indispensável nestas peças que lhe saem dos olhos. Imagino-o sofrendo a cada aproximação da goiva ou do formão.
Deste jogo particularmente tenso de posse e desprendimento, de enamoramento contemplativo e intervenção, resulta o fascínio destas esculturas.
Numa ou outra conversa que tive com o escultor agradaram-me sobretudo as suas dúvidas. São também essas dúvidas que continuam a atrair o meu olhar sobre as suas madeiras.
Existem nestes caminhos subitamente interrompidos, nestas formas que de uma maneira ou de outra regressam não sei bem donde, o tranquilo percurso de uma vida. O facto de as dúvidas persistirem só prova o nascimento da obra. Por experiência sei que as coisas que nascem assim demoram mais tempo a desaparecer.
Texto meu no catálogo de uma das primeiras exposições, realizada na livraria Universo em Setúbal.
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